1 Eu,
Marília, não fui nenhum vaqueiro,
2 fui
honrado pastor da tua aldeia;
3 vestia
finas lãs e tinha sempre
4 a minha
choça do preciso cheia.
5 Tiraram-me
o casal e o manso gado,
6 nem tenho
a que me encoste um só cajado.
7 Para ter que te dar, é que eu queria
8 de mor
rebanho ainda ser o dono;
9 prezava o
teu semblante, os teus cabelos
10 ainda
muito mais que um grande trono.
11 Agora que
te oferte já não vejo,
12 além de
um puro amor, de um são desejo.
13 Se o rio levantado me causava,
14 levando a
sementeira, prejuízo,
15 eu alegre
ficava, apenas via
16 na tua
breve boca um ar de riso.
17 Tudo
agora perdi; nem tenho o gosto
18 de ver-te
ao menos compassivo o rosto.
19 Propunha-me dormir no teu regaço
20 as
quentes horas da comprida sesta,
21 escrever
teus louvores nos olmeiros,
22 toucar-te
de papoilas na floresta.
23 Julgou o
justo céu que não convinha
24 que a
tanto grau subisse a glória minha.
25 Ah! minha bela, se a fortuna volta,
26 se o bom,
que já perdi, alcanço e provo,
27 por essas
brancas mãos, por essas faces
28 te juro
renascer um homem novo,
29 romper a
nuvem que os meus olhos cerra,
30 amar no
céu a Jove e a ti na terra!
31 Fiadas comprarei as ovelhinhas,
32 que
pagarei dos poucos do meu ganho;
33 e dentro
em pouco tempo nos veremos
34 senhores
outra vez de um bom rebanho.
35 Para o
contágio lhe não dar, sobeja
36 que as
afague Marília, ou só que as veja.
37 Se não tivermos lãs e peles finas,
38 podem mui
bem cobrir as carnes nossas
39 as peles
dos cordeiros mal curtidas,
40 e os
panos feitos com as lãs mais grossas.
41 Mas ao
menos será o teu vestido
42 por mãos
de amor, por minhas mãos cosido.
43 Nós iremos pescar na quente sesta
44 com canas
e com cestos os peixinhos;
45 nós
iremos caçar nas manhãs frias
46 com a
vara enviscada os passarinhos.
47 Para nos
divertir faremos quanto
48 reputa o
varão sábio, honesto e santo.
49 Nas noites de serão nos sentaremos
50 cos
filhos, se os tivermos, à fogueira:
51 entre as
falsas histórias, que contares,
52 lhes
contaras a minha, verdadeira.
53 Pasmados
te ouvirão; eu, entretanto,
54 ainda o
rosto banharei de pranto.
55 Quando passarmos juntos pela rua,
56 nos
mostrarão co dedo os mais pastores,
57 dizendo
uns para os outros: — Olha os nossos
58 exemplos
da desgraça e sãos amores.
59 Contentes
viveremos desta sorte,
60
até que chegue a um dos dois a morte.
Paráfrase
Nesta Lira, um pastor se dirige a
Marília e, para começar, narra como a sua prosperidade e a sua vida cercada de
respeito foram interrompidas por um acidente catastrófico, cuja natureza não
esclarece, e compara a situação anterior de abastança e felicidade com a
atual, de privação e angústia. Em seguida, imagina como há de ser a existência
de ambos, se a sorte virar e ele readquirir a posição perdida.
Organização
geral do discurso
A Lira 77 se divide em duas partes, com uma estrofe
intermediária de ligação.
A primeira parte é formada pelas quatro estrofes
iniciais, do verso 1 ao verso 24;
A intermediária é a estrofe 5, do verso 25 ao verso 30;
A segunda parte é formada pelas cinco estrofes seguintes,
do verso 31 ao verso 60.
A primeira parte se refere ao passado (versos
1-24)
Na 1ª estrofe temos: 1 "não
fui"/ 2 "fui"/ 3 "vestia", "tinha"/ 5
"tiraram-me" /6 "nem tenho".
Na 2ª: 7 "queria "/ 9 "prezava" / 11 "não vejo".
Na 3ª: 13 "causava" / 15 "ficava", "via"/ 17 "perdi"
Na 4ª: 19 “propunha-me”/ 23 “julgou”
Na 2ª: 7 "queria "/ 9 "prezava" / 11 "não vejo".
Na 3ª: 13 "causava" / 15 "ficava", "via"/ 17 "perdi"
Na 4ª: 19 “propunha-me”/ 23 “julgou”
Estrofe de transição (versos 25-30) = Futuro ainda
embutido no presente
25 "se
volta" = "se voltar" / 26 "se alcanço" = "se
alcançar" / 26 "se provo" = "se provar
A segunda parte
se refere ao futuro (versos 31-60)
31 comprarei /32
pagarei /33 veremos /37 Se não tivermos /41 será / 43-45
iremos /47 faremos/ 52 contarás/ 53 ouvirão/ 55 Quando
passarmos/ 56 mostrarão/ 59 viveremos
Estrutura de cada estrofe
Veremos então que, salvo a
estrofe de transição, as estrofes da primeira e da segunda parte são formadas
por duas unidades: a primeira, formada pelos quatro versos iniciais; a segunda,
pelos dois finais. Marcando a sua função intermédia,
a estrofe de ligação é constituída por um só período;
1 Eu, Marília, não fui nenhum vaqueiro,
2 fui honrado pastor da tua
aldeia;
3 vestia finas lãs e tinha
sempre
4 a minha choça do preciso
cheia.
5 Tiraram-me o casal e o manso
gado,
6 nem tenho a que me encoste
um só cajado.
(Na primeira parte, os quatro primeiros versos de todas as estrofes referem-se a uma lembrança do passado, e os dois últimos fazem um registro da atual desgraça)
(Na primeira parte, os quatro primeiros versos de todas as estrofes referem-se a uma lembrança do passado, e os dois últimos fazem um registro da atual desgraça)
37 Se não tivermos lãs e peles
finas,
38 podem mui bem cobrir as
carnes nossas
39 as peles dos cordeiros mal
curtidas,
40 e os panos feitos com as
lãs mais grossas.
41 Mas ao menos será o teu
vestido
42 por mãos de amor, por
minhas mãos cosido.
(Na segunda parte, os quatro primeiros versos de todas as estrofes descrevem uma vida modesta, mas feliz , e os dois últimos reforçam em sentido positivo essa felicidade)
(Na segunda parte, os quatro primeiros versos de todas as estrofes descrevem uma vida modesta, mas feliz , e os dois últimos reforçam em sentido positivo essa felicidade)
Os elementos de tensão
No caso desta Lira, seria possível
dizer que os elementos de tensão constituem princípios estruturantes,
núcleos dinâmicos, acima dos quais predomina o princípio organizador. Isto é,
esses elementos ou significados contraditórios se opõem, e criam as condições
para organizar o discurso. Na Lira 77 as tensões se dispõem nos seguintes pares
antitéticos:
Rusticidade X refinamento
tranqüilidade X desgraça
espaço destruído X espaço
reconstruído
passado X futuro
realidade X sonho (devaneio)
Circunstâncias biográficas
Esta Lira foi escrita na prisão
da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, entre 1789 e 1793, por Tomás Antônio
Gonzaga, acusado de participar duma conspiração contra o Estado português. A
Marília referida é nome pastoral que ele deu a Joaquina Dorotéia de Seixas, de
uma família rica e importante da Capitania de Minas (o nome pastoral assumido
por Gonzaga, segundo a convenção dos árcades, era Dirceu).
Conclusões
A análise da estrutura mostrou
que a Lira 77 repousa num jogo de antíteses, modulações verbais e tensões, onde
passado, presente e futuro, bem como espaço e tempo, interagem para definir o
teor do discurso. E vimos que foi preciso completá-la pela situação do texto no
contexto, inclusive os dados biográficos, para se perceber a natureza da
alegoria e, com ela, a complexidade do significado.
Equipe:
#Brenda
#Daniel Pessoa
#Maria da Luz Pereira (Darly)
#Simony
Equipe:
#Brenda
#Daniel Pessoa
#Maria da Luz Pereira (Darly)
#Simony
"Ctrl C e Ctrl V" do texto crítico de Antônio Candido: "Uma Aldeia Falsa". Poderiam, pelo menos, referenciado sua pseudo-pesquisa.
ResponderExcluir#VERGONHA
aff o que conta é a intençao
ResponderExcluirpois é concordo
ResponderExcluirvcs são gay é kkkkkkk
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