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terça-feira, 5 de junho de 2012

Lira 77 (Tomás Antônio Gonzaga)


1 Eu, Marília, não fui nenhum vaqueiro,
2 fui honrado pastor da tua aldeia;
3 vestia finas lãs e tinha sempre
4 a minha choça do preciso cheia.
5 Tiraram-me o casal e o manso gado,
6 nem tenho a que me encoste um só cajado.

7
Para ter que te dar, é que eu queria
8 de mor rebanho ainda ser o dono;
9 prezava o teu semblante, os teus cabelos
10 ainda muito mais que um grande trono.
11 Agora que te oferte já não vejo,
12 além de um puro amor, de um são desejo.

13
Se o rio levantado me causava,
14 levando a sementeira, prejuízo,
15 eu alegre ficava, apenas via
16 na tua breve boca um ar de riso.
17 Tudo agora perdi; nem tenho o gosto
18 de ver-te ao menos compassivo o rosto.

19
Propunha-me dormir no teu regaço
20 as quentes horas da comprida sesta,
21 escrever teus louvores nos olmeiros,
22 toucar-te de papoilas na floresta.
23 Julgou o justo céu que não convinha
24 que a tanto grau subisse a glória minha.

25
Ah! minha bela, se a fortuna volta,
26 se o bom, que já perdi, alcanço e provo,
27 por essas brancas mãos, por essas faces
28 te juro renascer um homem novo,
29 romper a nuvem que os meus olhos cerra,
30 amar no céu a Jove e a ti na terra!

31
Fiadas comprarei as ovelhinhas,
32 que pagarei dos poucos do meu ganho;
33 e dentro em pouco tempo nos veremos
34 senhores outra vez de um bom rebanho.
35 Para o contágio lhe não dar, sobeja
36 que as afague Marília, ou só que as veja.

37 Se não
tivermos lãs e peles finas,
38 podem mui bem cobrir as carnes nossas
39 as peles dos cordeiros mal curtidas,
40 e os panos feitos com as lãs mais grossas.
41 Mas ao menos será o teu vestido
42 por mãos de amor, por minhas mãos cosido.

43
Nós iremos pescar na quente sesta
44 com canas e com cestos os peixinhos;
45 nós iremos caçar nas manhãs frias
46 com a vara enviscada os passarinhos.
47 Para nos divertir faremos quanto
48 reputa o varão sábio, honesto e santo.

49
Nas noites de serão nos sentaremos
50 cos filhos, se os tivermos, à fogueira:
51 entre as falsas histórias, que contares,
52 lhes contaras a minha, verdadeira.
53 Pasmados te ouvirão; eu, entretanto,
54 ainda o rosto banharei de pranto.

55
Quando passarmos juntos pela rua,
56 nos mostrarão co dedo os mais pastores,
57 dizendo uns para os outros: — Olha os nossos
58 exemplos da desgraça e sãos amores.
59 Contentes viveremos desta sorte,
60 até que chegue a um dos dois a morte.


Paráfrase
Nesta Lira, um pastor se dirige a Marília e, para começar, narra como a sua prosperidade e a sua vida cercada de respeito foram interrompidas por um acidente catastrófico, cuja natureza não esclarece, e compara a situação anterior de abastança e felicidade com a atual, de privação e angústia. Em seguida, imagina como há de ser a existência de ambos, se a sorte virar e ele readquirir a posição perdida.

Organização geral do discurso

A Lira 77 se divide em duas partes, com uma estrofe intermediária de ligação.
A primeira parte é formada pelas quatro estrofes iniciais, do verso 1 ao verso 24;
A intermediária é a estrofe 5, do verso 25 ao verso 30;
A segunda parte é formada pelas cinco estrofes seguintes, do verso 31 ao verso 60.

A primeira parte se refere ao passado (versos 1-24)
Na 1ª estrofe temos: 1 "não fui"/ 2 "fui"/ 3 "vestia", "tinha"/ 5 "tiraram-me" /6 "nem tenho".
Na 2ª: 7  "queria "/ 9 "prezava" / 11 "não vejo".
Na 3ª: 13 "causava" / 15 "ficava",  "via"/  17 "perdi"
Na 4ª: 19 “propunha-me”/ 23 “julgou”

Estrofe de transição (versos 25-30) = Futuro ainda embutido no presente
   25 "se volta" = "se voltar" / 26 "se alcanço" = "se alcançar" / 26 "se provo" = "se provar

A segunda parte se refere ao futuro (versos 31-60)
31 comprarei /32 pagarei /33 veremos /37 Se não tivermos /41 será / 43-45 iremos /47 faremos/ 52 contarás/ 53 ouvirão/ 55 Quando passarmos/ 56 mostrarão/ 59 viveremos

Estrutura de cada estrofe
Veremos então que, salvo a estrofe de transição, as estrofes da primeira e da segunda parte são formadas por duas unidades: a primeira, formada pelos quatro versos iniciais; a segunda, pelos dois finais.    Marcando a sua função intermédia, a estrofe de ligação é constituída por um só período;

1 Eu, Marília, não fui nenhum vaqueiro,
2 fui honrado pastor da tua aldeia;
3 vestia finas lãs e tinha sempre
4 a minha choça do preciso cheia.
5 Tiraram-me o casal e o manso gado,
6 nem tenho a que me encoste um só cajado.

(Na primeira parte, os quatro primeiros versos de todas as estrofes referem-se a uma lembrança do passado, e os dois últimos fazem um registro da atual desgraça)

37 Se não tivermos lãs e peles finas,
38 podem mui bem cobrir as carnes nossas
39 as peles dos cordeiros mal curtidas,
40 e os panos feitos com as lãs mais grossas.
41 Mas ao menos será o teu vestido
42 por mãos de amor, por minhas mãos cosido.
(Na segunda parte, os quatro primeiros versos de todas as estrofes descrevem uma vida modesta, mas feliz , e os dois últimos reforçam em sentido positivo essa felicidade)

Os elementos de tensão
 No caso desta Lira, seria possível dizer que os elementos de tensão constituem princípios estruturantes, núcleos dinâmicos, acima dos quais predomina o princípio organizador. Isto é, esses elementos ou significados contraditórios se opõem, e criam as condições para organizar o discurso. Na Lira 77 as tensões se dispõem nos seguintes pares antitéticos:

Rusticidade X refinamento
tranqüilidade X desgraça
espaço destruído X espaço reconstruído
passado X futuro
realidade X sonho (devaneio)

Circunstâncias biográficas
Esta Lira foi escrita na prisão da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, entre 1789 e 1793, por Tomás Antônio Gonzaga, acusado de participar duma conspiração contra o Estado português. A Marília referida é nome pastoral que ele deu a Joaquina Dorotéia de Seixas, de uma família rica e importante da Capitania de Minas (o nome pastoral assumido por Gonzaga, segundo a convenção dos árcades, era Dirceu).

Conclusões
A análise da estrutura mostrou que a Lira 77 repousa num jogo de antíteses, modulações verbais e tensões, onde passado, presente e futuro, bem como espaço e tempo, interagem para definir o teor do discurso. E vimos que foi preciso completá-la pela situação do texto no contexto, inclusive os dados biográficos, para se perceber a natureza da alegoria e, com ela, a complexidade do significado.

Equipe:
#Brenda
#Daniel Pessoa
#Maria da Luz Pereira (Darly)
#Simony

4 comentários:

  1. "Ctrl C e Ctrl V" do texto crítico de Antônio Candido: "Uma Aldeia Falsa". Poderiam, pelo menos, referenciado sua pseudo-pesquisa.

    #VERGONHA

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  2. aff o que conta é a intençao

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