" A informação se transmite, o conhecimento é adquirido através de informações."concatenado por Brenda

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Sobre Esperanças


           Passei um tempo sumida daqui, porém não consigo nem quero deixar de vir aqui defenestrar ideias. Então eu voltei, mas dessa vez não para falar de gramática. É que hoje eu acordei com vontade de literatura. Com saudade de ler Clarice, a Lispector. Ela quase sempre parece saber exatamente aquilo o que eu queria dizer.
          Nos últimos dias eu estive pensando sobre Esperanças, assim mesmo... com plural, maiúscula e tudo: Esperanças
. Você já deve ter dito: “A esperança é a última que morre”. Mas o que é ter Esperança? Pra mim, ter esperança é esperar com fé, acreditar no amanhã, acreditar que o sol sempre vai nascer no dia seguinte, que as coisas vão dar certo. Enfim, esperança é isso aí: acreditar, mesmo quando você está cansado de tudo e o que mais quer é sair correndo, é quando quase não sobram forças e você ainda acredita!
Lembrei desse texto da Clarice sobre Esperança e quis compartilhar...
        
Uma Esperança
            Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto. Houve um grito abafado de um de meus filhos:
           - Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que
unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
          - Ela quase não tem corpo, queixei-me.
          -
Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
           Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
           - Ela é burrinha, comentou o menino.
           - Sei disso, respondi um pouco trágica.
           - Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
           - Sei, é assim mesmo.
           - Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
           - Sei, continuei mais infeliz ainda.
           Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando-a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
           - Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
           Andava mesmo devagar - estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo. Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia "a" aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a esperança.
Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê-la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
          - É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
         - Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
         - Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros - falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
           O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo. Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la. Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: "e essa agora? que devo fazer?" Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
(Clarice Lispector)

E que nós não nos esqueçamos de facilitar o caminho da Esperança. O mundo está cheio de aranhas, mas às vezes a única coisa que a gente precisa é ter coragem de matá-las e deixar que a Esperança tome conta da casa, de corpo e alma.

 

  *
Esse verso foi tirado do blog da nossa defenestradora Mel.
Entre Versos e Riscos

“Para que eu consiga
ser esperançosa

Mesmo quando a porta
 
entreaberta
apenas mostrar os raios de escuridão
Que vem de dentro.

E que mesmo que aqui fora
a última luz também esteja esmaecendo.”
(Jessiely Soares)
 
(Talvez esse post esteja meio solto e  sem nexo. Acredite, está confuso até pra mim, principalmente pra mim. Mas é que às vezes faz um sentido enorme.)
Brenda*

4 comentários:

  1. Poxa, Brenda. Que coisa mais linda!

    Não é pelo fato de ter meu texto ali... quer dizer, ter meu texto ali, fazendo par com o da Lispector, realmente me deixou em êxtase, mas, além disso, que lindo seu post!

    Realmente... Na verdade, vez ou outra, tudo que precisamos é matar as aranhas e deixar as esperanças permanecerem.

    E não se preocupe se algo não faz sentido para outra pessoa. Tem que fazer sentido para você.

    Beijos!!


    =*


    Mel

    ResponderExcluir
  2. Oww, Mel, Obrigada!
    Já estava com esse texto guardado havia algum tempo, então essa semana visitei seu blog e encontrei a sua 'prece', achei que estava na hora de postar a minha também.
    Se o seu texto está ali é pq você merece. Você escreve muito bem, garota.
    =)

    ResponderExcluir
  3. Parabéns meninas, vcs realmente arrasam! e esse texto veio num momento propício. bjs!

    ResponderExcluir
  4. Que bom que esse texto tenha te ajudado de alguma forma, Daniel.
    Você não sabe o quanto isso me deixa feliz!

    =)

    ResponderExcluir